A luz natural é um dos elementos mais importantes da prática arquitectónica. Para além da sua função básica de iluminar os espaços, a luz solar tem uma influência profunda na saúde e no bem-estar humano, regulando o ritmo circadiano, afetando o humor e a produtividade, e contribuindo para a sensação geral de conforto. No contexto da neuroarquitetura, disciplina que cruza os campos da arquitectura e da neurociência, a importância da luz natural torna-se ainda mais evidente, sendo reconhecida como um dos pilares fundamentais para criar ambientes saudáveis e estimulantes.
O impacto das sombras: o caso de Nova Iorque
Um exemplo que ilustra bem esta preocupação é Nova Iorque, onde a construção de arranha-céus ao longo da chamada “Billionaires’ Row” (extremidade sul do Central Park), tem suscitado há anos debates intensos sobre o impacto das sombras geradas por estes edifícios. Estudos realizados pelo New York Times mapearam as sombras dos arranha-céus e mostraram como estas podem estender-se por mais de um quilómetro, projetando áreas significativas de sombra (durante várias horas do dia) sobre espaços públicos . Esta situação gerou preocupação não apenas em termos de estética urbana, mas também, sobre o impacto na biodiversidade, no microclima e, sobretudo, no bem-estar dos cidadãos que utilizam esses espaços (New York Times, 2016).
Estes debates levaram a cidade a considerar regulamentações mais rigorosas quanto à altura dos edifícios e à sua inserção urbana, com o objectivo de mitigar os efeitos adversos das sombras prolongadas. Esta preocupação demonstra como a luz natural, mesmo num meio urbano altamente densificado, continua a ser um recurso essencial que deve ser preservado e otimizado.
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A luz natural e a saúde mental
A relação entre luz natural e saúde mental está bem documentada em diversas investigações. A exposição adequada à luz solar regula a produção de melatonina e serotonina, hormonas que influenciam diretamente o ciclo do sono e o estado emocional. Ambientes bem iluminados favorecem naturalmente a concentração, a produtividade e um sentimento geral de bem-estar. Por outro lado, a falta de exposição à luz natural está associada a distúrbios como a depressão sazonal (SAD) e outros problemas de saúde mental.
No contexto de escritórios e espaços de trabalho, estudos indicam que trabalhadores expostos à luz natural reportam maior satisfação e menor fadiga ocular, para além de apresentarem menores taxas de absentismo. Da mesma forma, nas escolas, a luz natural melhora o desempenho académico, enquanto que nos hospitais contribui para uma recuperação mais rápida dos pacientes.
Planeamento urbano e o desafio da densificação
Em Portugal, o debate sobre a densificação urbana muitas vezes centra-se na maximização do uso do solo e na verticalização das cidades. Embora estas estratégias sejam fundamentais para responder ao crescimento populacional e às necessidades habitacionais, é importante que sejam acompanhadas de uma reflexão profunda sobre os impactos na qualidade dos espaços públicos e privados, particularmente no que diz respeito à luz natural.
O Plano Director Municipal (PDM)
O PDM é o principal instrumento de gestão territorial ao nível municipal e está previsto na Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo (Lei n.º 31/2014, de 30 de maio). Este orienta o desenvolvimento urbano, definindo, entre outros aspetos, parâmetros como índices de construção, altura máxima dos edifícios, afastamentos, e também critérios ambientais — o que inclui, em alguns casos, preocupações com a exposição solar e a ventilação.
Embora não haja uma norma nacional obrigatória que trate exclusivamente da luz natural em todos os PDM, muitos municípios integram requisitos relacionados com orientação solar, volumetria e afastamentos para garantir iluminação natural adequada, principalmente em áreas novas de urbanização.
Os PDMs estão disponíveis no Sistema Nacional de Informação Territorial (SNIT), através do portal Direção-Geral do Território (DGT), que centraliza a informação sobre o ordenamento do território em Portugal. Cada município também costuma disponibilizar o seu PDM nos próprios sites oficiais da câmara municipal.
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Neuroarquitetura para as pessoas
Enquanto arquitectos, urbanistas e decisores políticos, temos a responsabilidade ética de colocar o bem-estar humano no centro do processo de concepção e planeamento. A luz natural deve ser vista não como um luxo, mas como um direito e um recurso vital que molda a nossa saúde física e mental. Projectar com a luz implica compreender os aspectos técnicos, como a orientação e o dimensionamento dos vãos, e os impactos mais amplos das nossas decisões sobre o tecido urbano e sobre a vida quotidiana das pessoas.
Assim, a neuroarquitetura lembra-nos que, em última instância, construir bem é construir para as pessoas. E não há arquitectura verdadeiramente humana sem luz natural.